Os adinkras são ideogramas que expressam valores tradicionais, ideias filosóficas, códigos de conduta e normas sociais africanos. São elementos que partem do povo Ashanti, atualmente localizados, principalmente, nos países Gana, Burkina Faso e Togo, na África Ocidental. Mas também são símbolos que têm seu significado reformulado a partir de onde estão presentes, como o contexto da diáspora negra brasileira.
São ensinamentos que podem nos ajudar a entender as forças que já fazem parte de nós ou de outras pessoas ao nosso redor. Leodegária em suas múltiplas faces, em suas várias andanças e em seus feitos pode nos inspirar e ajudar a entender as nossas próprias estratégias de vivência. Alguns Adinkras nos ensinaram valores sobre a importância dos 135 de Leodegária de Jesus, uma mulher negra que compõe a história da diáspora africana pelo mundo e em Goiás.
Esse símbolo é comum em alguns designs de grades de portões e simboliza a memória negra marcada pelos escravizados como forma de lembrar de África, mas também dos ensinamentos de quem veio antes. Enquanto uma mulher e negra à frente de seu tempo, Leodegária é referência para os dias de hoje. Saber de sua presença no cenário goiano inspira muitas mulheres e meninas a aprender com ela – que abriu caminhos – e a ousar a escrever, mesmo diante dos desafios.
Ocupar os espaços, em uma época em que muitas mulheres nem sequer poderiam ser alfabetizadas, trazer na escrita a energia e beleza da vida, do amor e da natureza, são qualidades de Leodegária de Jesus. A beleza aqui vai além do físico e se direciona a como o cotidiano pode ser poetizado pela sensibilidade de quem escreve. Isso também esteve presente na mobilização política com outras mulheres no jornal A Rosa, em que era crítica literária e social, especialmente, no que diz respeito a como as mulheres eram tratadas no começo do século XX.
As jovens escritoras de A Rosa foram fundamentais para incomodar o patriarcado de Vila Boa. Essa união gestou a coragem necessária para inaugurar a imprensa feminina em Goiás marcada em páginas cor de rosa. Outro detalhe da vida de Leodegária que nos ajuda a entender a construção de caminhos de esperança e de um futuro de igualdade, foram as influências em casa, que a possibilitaram a acessar oportunidades que a destacam hoje enquanto pioneira. Sua mãe Ana Isolina e José Antônio, seu pai, eram professores, tinham prestígio social, político e financeiro. Seu pai, homem negro, orfão, criado por seminaristas, aprendeu a cultura erudita, incluive latim, ensinado também a Leodegaria.
Se manter firme diante dos desafios exige não só resistência, mas resiliência para compreender qual o melhor passo a ser dado e encontrar a paciência necessária para agir com cautela. Leodegária, diante dos enfrentamentos e barreiras que a impediram de poder ser advogada, de ser lembrada pelo cânone literário, de continuar na cidade onde tinha feito grandes amizades e se apaixonou, e ainda ter que sustentar a família diante da doença de seu pai, continuou se refazendo para sobreviver.
Leodegária ao usar de suas possibilidades de circular em espaços eruditos, não se contenta em ser educada para agradar a etiqueta da época que via as mulheres e, principalmente, a mulheres negras, como desprovidas de ideias e de escrita. Sejam destemidas e destemidos para escrever, publicar e ocupar os espaços sociais. Cada pessoa pode contribuir com o seu conhecimento e é isso o que nos torna seres grandiosos. Ser alguém que desafia a estrutura imposta requer muita coragem e firmeza no que se defende.
Uma mulher negra adolescente ousou vooar com seus escritos, os criou e os lançou ao mundo mesmo de forma tímida, mas sem medo das críticas. A Ananse é um Adinkra do povo Akan e simboliza a aranha que se tornou dona de todas as histórias depois de cumprir as missões dadas por Nyame, a divindade. Ela nos ensina, assim como Leodegária, sobre a importância de compartilhar as histórias e fazer delas uma força criativa atemporal.
Na intensidade de sua escrita, versátil a cada necessidade, seja com as poesias, crônicas e contos, Leodegária se tornou vanguarda e parte da história literária de Goiás. Mesmo diante de tantos anos de apagamento do cânone literário goiano, sem ser lembrada nos estudos literários acadêmicos com a devida importância, a grandeza de Leodegária é retomada como forma de compreender a importância da história da população negra goiana.
Mesmo tendo vivido em contextos difíceis para uma mulher e negra no começo do século XX, interior dos sertões goianos, o legado de Leodegária ressurge para retornar ao seu lugar de direito. Ao se reinventar para cuidar do pai adoecido e da família que dependia dela, e com as várias mudanças de cidade, exigiu da escritora rápida adaptação a cada contexto. Ainda assim, não deixou sua vocação à docência de lado, e ousou mais uma vez, em Minas Gerais, ao fundar um Colégio dedicado a atender as mulheres.
Promover uma homenagem digna a quem veio primeiro na história, é fundamental para reconhecer que o hoje é construído por tais pessoas, criando caminhos e sendo referência. Reparação histórica e social para o legado de Leodegária de Jesus – uma mulher negra que mesmo acessando espaços cultos ainda não era tida como suficiente para ser lembrada -, também é fazer justiça ao seu esquecimento, que é político. Justiça que ainda recorda o apagamento de outras pessoas negras pioneiras na história de Goiás e do Brasil, e que ainda não tem a sua história devidamente contada.
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