A II Mostra Goiás Nosso Patrimônio tem Cor destaca o legado da primeira mulher e negra a publicar um livro literário em Goiás: Leodegária Brazília de Jesus.
Nascida no dia 8 de agosto de 1889, em Caldas Novas, a poeta completa este ano 135 anos de história. Foi na cidade de Goiás que em 1906, aos 17 anos, lançou o seu primeiro livro chamado Corôa de Lyrios. A obra não foi muito bem recebida pela crítica da época, – formada por homens – que considerava uma lírica imatura, sentimentalista e fora das normativas do movimento literário.
Apegada à escrita, 22 anos depois, em 1928, Leodegária publica o seu segundo livro chamado Orchidesas. Feitos que ainda a posicionam como pioneira na história da literatura goiana e, consequentemente, brasileira, tanto com o seu primeiro quanto segundo livro.
Além de poeta, também era professora, intelectual e redatora de jornais. Esse gosto pela escrita e pela educação, se nutre pela possibilidade de acessar, mesmo vivendo os primeiros anos pós-abolição da escravatura, espaços literários e de ensino particular, como o Colégio Sant’Ana, na cidade de Goiás.
Leodegária é filha de Ana Isolina Furtado Lima, mulher branca e professora; e de José Antônio de Jesus, homem negro, criado junto a seminaristas, onde teve acesso ao conhecimento da escrita e da leitura. Ele ainda fundou a 1ª Escola de Caldas Novas, atuou como editor de jornal e foi eleito deputado estadual.
Em 1907, além de começar a participar ativamente do Clube Literário Goiano, Leodegária também fundou e redigiu, ao lado de Rosa Santarém Godinho, Alice Augusta de Santana Coutinho e Cora Coralina, o semanário “A Rosa”. Esta é considerada a primeira publicação da imprensa feminina em Goiás, localizada na antiga capital Vila Boa de Goyaz, atual cidade de Goiás.
O semanário, que tinha as páginas cor de rosa era conhecido como o “jornal de moças”, e atuava tanto como uma forma das mulheres publicarem suas opiniões sobre as produções intelectuais, crítica literária, conto, crônicas quanto, ao mesmo tempo, acionaram uma escrita irreverente à época, com devoção à mulher, com pitacos sobre conflitos conjugais, ciúmes, traições, a condição da mulher e o cotidiano vilaboense. Algo que destoa do contexto da época, ainda mais dominado pelos homens, em que as mulheres e, principalmente, as pessoas negras, tinham pouquíssimos acessos ao letramento e ao âmbito da publicação.
Mesmo sendo exemplar nos estudos, ao tentar realizar o sonho de cursar direito no antigo Colégio Lyceu, em Vila Boa, foi impedida. A causa disso poderia ser o pai, homem negro, letrado, político conhecido na cidade e que não se aquietava diante dos problemas, e se opunha ao governo. Porém, outros pais também se opunham ao legislativo e suas filhas e filhos adentravam o Colégio.
A poetisa, professora, redatora e intelectual, também poderia ter sido a primeira mulher a ingressar na Academia de Direito de Goiás, a primeira advogada em Goiás, pois era uma área onde imperavam os homens. Não realizar esse sonho, do qual se dedicou pelos anos de estudos e boas notas, foi mais uma barreira na vida da jovem mulher negra, a impossibilitando de alcançar os espaços de poder e visibilidade.
O contexto de pós abolição, final do século XX, nos fornece fortes pistas que a cor de Leodegária, mesmo sendo excelente aluna, foi colocado como impedimento para que ela não ocupasse o seu lugar de direito.
Continuou a escrever nos jornais e a lecionar, e em Araguari, Minas Gerais, fundou o Colégio São José, no ano de 1921, voltado para o ensino das moças. Foi uma vida marcada por várias mudanças de cidade, em especial, para buscar tratamento para a cegueira progressiva do pai, de forma que Leodegária se tornou central para sustentar a própria família.
Anos mais tarde, em 1928, lançou o seu segundo livro Orchideas, ainda considerado o segundo livro de autoria feminina goiana.
A poeta faleceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, no ano de 1978, aos 89 anos.
Como reparação histórica, em 2023, a Universidade Federal de Goiás, por meio da Faculdade de Direito, concedeu a Leodegária o título de Doutora Honoris Causa. Sendo a primeira mulher negra a receber esse título pela instituição. Ação que surge pela demanda levantada por coletivos, pesquisadoras/es e movimentos que sistematizaram as produções, conhecimentos e legado da escritora.
Por vários anos, Leodegária se encontrou fora dos cânones literários goianos, sendo apenas mencionada aqui e ali quando se tratava da poetisa Cora Coralina. Mesmo com os estudos de Basileu Toledo França em 1996 e de Darcy França Denófrio em 2001, a escritora se situou invisível ao seu lugar de pioneirismo e importância.
Inclusive nos estudos literários universitários, o seu nome não circulava. No entanto, a partir das inquietações da professora Goiandira de Fatima Ortiz de Camargo, até então professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás (UFG) e uma das fundadoras da Livraria Leodegária de Jesus, é que tal reconhecimento começa a circular pelo âmbito acadêmico.
Em 2014, o Ateliê Tipográfico do Centro Editorial e Gráfico (Cegraf) da UFG, é inaugurado e republica o livro Orchideas, com o estímulo de Goiandira.
Mas é com a professora Tânia Rezende Ferreira, também professora da Faculdade de Letras da UFG, que a trajetória e produção de conhecimento da poetisa ganha corpo, cor e uma análise enegrecida, que percebe uma mulher negra ousada, que sentia e escrevia sobre o mundo por essa perspectiva.
Tânia, no final de 2018, funda a Gira Leodegária de Jesus, na Faculdade de Letras, como forma de ocupação acadêmica e homenagem à Leodegária, para pensar e dialogar a partir do que atravessa as mulheres negras e indígenas em suas mobilizações para com a escrita.
Celebrar os 135 anos da imortalidade de Leodegária Brazília de Jesus é realizar tributos a quem abriu caminhos e fez história na produção literária goiana. Quem escreve se eterniza nas palavras!
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